Cala a boca! Pára de falar e me deixa em
paz, eu preciso me concentrar. Essa voz é tão irritante. O que está dizendo? Não consigo ouvir. Parece que vem do
apartamento do vizinho. Droga! Pisei num resto de pizza da noite passada. E que
noite! Só me lembro de ter saído com uma garota que conheci no bar e
barbarizamos no apartamento dela. Me sinto sujo, será que nem tomei banho? O que? Claro que ela deve estar bem.
Aliás,
se eu não tomar cuidado, vou me sujar e pisar em muita coisa nessa droga de
lugar em que estou ; esse muquifo que
habito. O que? Não! Não vou arrumar essa
droga. A bagunça é minha e vou deixar assim mesmo. Eu gosto das roupas
jogadas por cima do sofá-cama, no chão; gosto de comer onde quiser e lavar a
louça quando der na telha. Ninguém manda no que eu quero fazer, ninguém. Foi
por isso que saí de casa há alguns meses. Cansei de ser o estudante perfeito e
organizado, o filhinho da mamãe.
Ah! Claro. Eu devia limpar o chiqueiro, não
é? Pois não vou. Não quero. Vou apenas acender um cigarro e olhar pela
janela; a minha inigualável vista dos fundos de outro prédio é estimulante.
Estimula a querer se matar de morar nessa merda de lugar, nessa merda de
cidade, sem emprego ou amigos.
O que? Quem não fuma? Eu fumo! E cala a boca
você aí do outro lado. Vai se catar. Quer saber, vou é voltar para o meu
amplo espaço na minha sala-quarto-cozinha! De novo... Por que não me deixa em paz! Onde está? Esconde-se atrás da porta?
Está no vizinho? Ou eu estou ouvindo algo que não devia?
E
por que diabos estou falando sozinho e fazendo um monte de perguntas para
alguém que nem vejo, apenas escuto? O que é isso, um choro! Onde está? Pára de chorar. Seja homem e
apareça. Eu não vim até aqui para ver um cara se lamentando porque outro não
quer ouvi-lo. Vai se fuder! E
aproveita e cala a boca, me deixa pensar; preciso pensar. Para poder agir como
quero.
Se
tu acha que teu lamento e gritos vão me afastar está enganado. Eu pertenço a
esse lugar. Não tu. Não te ouvi. Ah! Não.
Ainda não quero morrer, obrigado! Vai tu! Te mostra, que eu inclusive ajudo.
Vou
é sair, quero sair, mas não consigo. Sinto minhas pernas fraquejarem, o que
está acontecendo? Não! Cala a boca!
Como consegue me segurar assim, só com palavras. Eu te ouço mais forte agora.
Tens uma voz... estranhamente familiar.
Mas o que quer? Devo ir embora?
Mas como, se não consigo me mexer?
Minha
cabeça roda. Sinto que vou desmaiar. Consigo me arrastar até o banheiro. Cala a boca! Não vou pegar remédio nenhum. Ei! Por que estou pegando o
remédio? Não! Não quero tomar. Eu quero
é quebrar o espelho. Espera aí. Por um momento me vejo. Te vejo! Os olhos
vermelhos. Percebo pelo reflexo do espelho que quando ouço a maldita voz, sou eu que falo... E sou eu que respondo
agora, mas sem palavras. Não! Não pode ser assim. O remédio vai me fazer
dormir. Eu não vou mais falar, nem ouvir a voz.
A minha voz! Eu...quero...ficar, mas o silêncio...me chama.
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