Acredito nas coisas que sou capaz
de aprender, de compreender, nas coisas que posso refletir ou pensar,
questionar; não consigo simplesmente aceitar que certos dogmas impostos por
religiões dominem minha mente ou de qualquer pessoa. Essa conduta me parece
mais natural do que, por exemplo, aprender com os pais sobre um homem invisível
que vive no céu e vê tudo o que se passa aqui embaixo.
As verdades do dogmatismo não
fazem sentido para mim. Confesso que já fizeram. Fui criado na religião cristã,
católico apostólico romano. Durante muitos anos acreditava sem questionar e era
um bom rapaz, bom filho e pessoa. Mas a inteligência - essa qualidade sem
coração e que corrói a mais dura ignorância - me fez entender algumas incongruências.
Eu li a bíblia; entre os 12 a 16 anos eu li toda ela: do Gênesis ao Apocalipse!
E realmente foi nessa época que aflorou meu questionamento. Fiz parte de um
grupo de jovens e perguntava aos padres e irmãs da paróquia sobre as minhas
observações. Recebia respostas vagas e conselhos de não se afastar da fé.
Continuei tentando e me
aprofundei em temas diferentes, chegando ao Espiritismo, Alan Kardec e todos os
principais livros dessa doutrina. Paralelo a isso eu aprendi mais sobre outras
religiões, como Umbanda, Candomblé, Protestantismo, Hinduísmo, Judaísmo e
doutrinas esotéricas. Por um tempo, parecia ter acalmado minha vontade saber;
parecia que as questões estavam respondidas, na medida do possível.
No entanto, eu ainda alimentava
meu bendito discernimento e tentava deglutir certas “verdades”. Passei a me
sentir incomodado com as religiões patriarcais (quase todas) e percebi que o
que fazia sentido para minhas observações era um equilíbrio de forças em ação
no universo. Foi natural, lá pelos 21 anos, aderir aos ensinamentos da Bruxaria
pagã e das antigas religiões europeias, muitas delas fonte de inspiração para o
Cristianismo e outras religiões monoteístas.
Conheci pessoas excepcionais que
praticavam sua crença sem detrimento das demais, que possuíam discernimento e
inteligência para entender muitas das coisas à nossa volta; e o mais
importante: que não paravam de querer aprender e entender. Por outro lado,
minha interminável curiosidade sobre as coisas do nosso incrível mundo não
paravam de gerar dúvidas. Eu queria conciliar as crenças pagãs com o que eu
observava; e pensava sobre tudo. Na verdade, a religião pagã seria a mais
próxima de uma compreensão da natureza, seus conceitos de igualdade entre os
sexos, forças em oposição, mas complementares; uma ética subjetiva que
contemplava o outro (e muito parecida com a formulação Kantiana). A única coisa
que eu não conseguia encaixar era o aspecto mágico e sobrenatural de cada seita
ou tradição.
Ao me dedicar à Filosofia eu já
estava me afastando dessas crenças por também não me sentir à vontade, ainda
que não soubesse exatamente o porquê. Após alguns semestres eu já entendia o
que estava errado. Eu usava de minha mente, pensava e era capaz de
racionalmente justificar ou não os argumentos e as crenças. Mas eu não tinha
conhecimento de conceitos, paradigmas e o mais importante: pressupostos.
Sim, as religiões impregnaram
durante tantos séculos as mentes dos homens e mulheres que não podemos pensar o
mundo sem um sentido, uma finalidade, um criador. Isso é um pressuposto: de que
o mundo foi criado por alguém ou algo e teria todo um plano divino por trás de
nossa realidade, que então o mundo real seria espelho do mundo perfeito e ideal
da divindade (platonismo?). Nunca havia me dado conta de que eu jamais questionara
esse pressuposto.
E se as coisas não foram criadas?
Se simplesmente existem sem sentido? E mesmo que tenham sido criadas pelo Big
Bang, por que ele tem que ser algo inteligente e com um propósito e não só um
processo natural, como parece pelo que sabemos com a ciência? Por que os
religiosos não precisam provar que cada um de seus deuses existe, mas eu como
ateu, devo provar que ele não existe? Por que a ciência avança a cada teoria,
descoberta e as religiões não admitem questionar seus dogmas?
A liberdade de pensar, raciocinar
sobre essas questões e perceber os erros sobre os quais minha mente se
estruturava foram assustadores de início. Mas não era a primeira vez que eu me
deparava com algum pensamento novo; soube assimilar suas consequências, pensei
em suas implicações e tive muita paciência para juntar as peças soltas que
povoavam meu pensamento desde a juventude.
Percebi que eu buscava entender
as coisas com minha inteligência, intuição e espírito, mas algo sempre foi meio
sem sentido. O que eu duvidava, desde sempre, era a ideia de divindade. Não
questionava essa ideia por não entender o universo sem elas; mas quando pude
estabelecer o conceito de pressuposto e paradigma as coisas se tornaram claras.
Vaguei de religião em religião, mas o que estava errado era a inexistência de
um deus.
Com leituras filosóficas como
apoio, investiguei as religiões, a ética, a metafísica e por fim, as
divindades, chegando à conclusão que não passavam de ensinamentos culturais,
socialmente entranhados na psique humana, usados para frear nossos instintos e
domesticar as mentes mais simplórias, para evitar o caos social. O conceito de
deus muda historicamente, os mitos se justificam enquanto não há razão que os
conteste; em todos os lugares onde o raciocínio passou a questionar, os deuses
foram sumindo, diminuindo, mudando. A ideia básica de um ser supremo pode ser
reconfortante para a maioria das pessoas, pode justificar sua existência,
abrandar seus medos e anseios; mas não para mim.
Esse parágrafo resume bem tudo o que
se passou, mas não demonstra o meu trabalho para chegar às conclusões. Ao me
deparar com as religiões passei a questionar seus pressupostos, seus conceitos,
suas verdades, sua suposta autoridade divina. Aos poucos se consolidava em mim
o que se chama por Ateísmo, a não crença em divindades, sejam elas quais forem.
Não era mais possível esconder que eu não acreditava em religiões, não
acreditava no sobrenatural, no além, na vida após a morte e em nenhuma entidade
criadora e reguladora das consciências humanas.
Posso me dar ao trabalho de
objetar com fatos, demonstrações, raciocínios lógicos e puro discernimento
qualquer afirmação teológica. Todas falham, todas são contraditórias, todas são
apenas envolventes e engendradas para trazer paz às consciências, mesmo não
correspondendo à verdade de nenhuma observação. Mas não desejo realmente fazer
isso. Que as pessoas crentes sejam felizes com suas ilusões, com sua paz.
A única coisa que desejo é poder
viver minha vida sem ser incomodado pela religião, por seus seguidores – com
suas piadas, olhares incrédulos e comentários maldosos – ou por instituições
religiosas ou não. Eu não quero ter que me explicar toda vez que declaro ser
ateu; não quero ter que fazer o que uma multidão quer só para demonstrar
respeito a elas – principalmente porque elas não respeitam minhas escolhas e
minha vontade livre. Não desejo que ninguém se intrometa na educação de minhas
crianças, até porque não desejo incutir medo ou fábulas nas mentes delas.
Eu amo minha vida: única, sem
alma, paraíso no além ou reencarnação; sem vidas passadas, sem culpa ou pecado.
Quando ela acabar – e acreditem, sempre acaba – eu vou olhar para trás e saber
que vivi da melhor forma que pude, exercendo minha vontade, minha inteligência
e consciência.
Em momentos de necessidade, vou
recorrer a minha própria capacidade, minhas escolhas e possibilidades. Pedirei
ajuda aos amigos, não ao homem do céu. Farei com que minhas ações resolvam meus
problemas. Serei responsável por minhas escolhas, boas ou más. É possível ser
responsabilizado por coisas boas e receber prêmios por isso! É possível
esforçar-se e ter bons resultados. Se eu ganhar uma promoção, aprender algo
novo, comprar alguma coisa que queira muito: tudo será por que eu fiz!
E o mais incrível é que isso não
me isenta de ser uma boa pessoa, ética e preocupada com os demais seres
humanos, os animais e o planeta. Justamente por saber do que somos capazes, de
enxergar o que a ciência e o progresso trouxeram ao homem é que eu não posso
escapar à minha responsabilidade. Agir com altruísmo, com amor, com compaixão e
com caráter não depende de religião ou de uma divindade. As pessoas se enganam
quando transferem a sua responsabilidade para uma lei externa, de deus, da
bíblia, do que o pastor disse.
Eu gostaria muito que todos os
que me cobram respeito por afirmar que sou ateu também me respeitassem.
Parassem de se horrorizar com essa declaração e passassem a se preocupar com
suas crenças e seu estilo de vida. Não conheço NENHUM crente ou religioso que
viva de acordo com o que acredita. Seguem da boca para fora, seguem por
tradição, seguem por insegurança e por medo.
Eu não tenho medo da morte, da
finitude da vida, de castigos eternos ou de uma entidade que pode me trazer
desgraças. Eu sou sincero comigo mesmo, eu usei do meu mais precioso bem: a
inteligência. Eu me responsabilizo pelo que digo ou faço; eu tenho consciência
de que todas as coisas têm suas implicações, procuro entender de onde vieram,
para que, por que; procuro saber das coisas antes de emitir opiniões, não julgo
sem ter uma ideia do que estou falando.
O que o Ateísmo me trouxe?
Liberdade em primeiro lugar, discernimento e tranquilidade depois. Compreendi o
valor de uma boa explicação das coisas em lugar de uma crença dada e sem nenhum
critério de realidade. O que isso representa para minha visão de mundo,
religioso nenhum vai entender, porque eles não entendem o que fiz, não sabem
que sua crença se baseia em alicerces tão firmes quanto um palito de fósforo.
Eu fiz minha jornada de conhecimento, busquei minha sabedoria, achei meu lugar
no universo e estou muito feliz com isso. Eu entendi que dogmas e verdades são
diferentes de teorias e fatos. Hoje eu não sou mais visto como um bom rapaz,
boa pessoa...
Então, insisto humildemente, sejam felizes com SUAS crenças e respeitem
minha não crença, minha incredulidade com seus dogmas e livros ditos sagrados.
Sou mais feliz hoje, sem um deus para me guiar do que era quando acreditava em
algo semelhante. É possível para uma pessoa ser feliz sem ter que recorrer a
energias divinas, sem orar para um ser imaterial em busca de apoio ou perdão. É
possível criar filhos sem religião – e eles ficam bem! – É bom exercer sua
crítica e ter opinião bem embasada. É bom saber que não se está certo sempre,
que podemos mudar, aprender, evoluir. E é perfeitamente possível que haja
respeito mútuo.
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